Meio século depois, o Lusitano quer voltar a pôr Évora no mapa do futebol
Clube eborense, que completa amanhã 105 anos, está longe dos tempos de glória em que militou durante 14 épocas na I Divisão. Em junho, converteu-se em SAD com um objetivo claro: regressar ao topo em oito ou nove anos
A data de fundação do Lusitano Ginásio Clube é curiosa e o seu lema é inspirador. Desde que a 11 do 11 de 1911 dois marçanos naturais da vizinha vila do Redondo reuniram um grupo de estudantes e criaram uma agremiação desportiva para jogar futebol que o Lusitano de Évora tem perseguido a sua máxima: «Fazer forte fraca gente».
Ainda assim, a força do emblema eborense, que comemora amanhã o seu 105.º aniversário, veio a perder-se no último meio século.
Há 50 anos, o Lusitano foi despromovido da I Divisão, onde militou ininterruptamente durante 14 épocas, de 1952 a 1966. Nunca mais lá voltou, mas ainda hoje é de longe o representante alentejano com um registo mais significativo entre a elite do futebol nacional.
SAD como «elevador» para os Nacionais
Durante todo esse período, o Lusitano fez-se de lendas como o defesa Falé, o avançado José Biléu ou o guarda-redes Dinis Vital, que chegaria a internacional por Portugal – falecido em 2014, agora dá o nome à taça distrital – e no Campo Estrela não raras vezes travava os grandes Benfica, FC Porto e Sporting.
Hoje, o Campo Estrela resiste, desajustado aos tempos e «costas com costas» com o Sanches de Miranda, recinto do rival Juventude (já lá vamos…), numa espécie de vizinhança entre rivais semelhante à que se assiste em Dundee (entre FC e United) ou Nottingham (entre Notts County e Nottingham Forest).
O Lusitano milita agora na principal divisão da Associação de Futebol de Évora, é líder com cinco vitórias noutros tantos jogos e tem como objetivo começar a sua lenta ascensão ao lugar de onde caiu há meio século, revela ao Maisfutebol Luís Valente, bancário de 44 anos, que desde 2012 é presidente do clube onde jogou futebol 12 anos dos iniciados até aos seniores.
«Em oito ou nove anos queremos chegar à Liga. Surgiu um investidor que se tornou acionista e em junho deste ano os sócios aprovaram em assembleia-geral a constituição da SAD. Chegar ao topo do futebol português, mesmo a médio prazo, não é um objetivo fácil. Como um pouco por todo o interior do país, aqui não temos grandes indústrias ou muitos apoios de empresas da região. Temos despesas enormes e os patrocínios estão aquém do esperado. A Câmara Municipal também não apoia em termos financeiros os clubes do concelho. Além disso, estamos a recuperar os adeptos, que se foram afastando e muitas vezes têm mais entusiasmo pelos grandes do que pelos clubes da terra», detalha o dirigente, salientando que o objetivo imediato será subir ao Campeonato de Portugal (onde o único representante do distrito é o Sporting Clube de Viana do Alentejo) e fazer com que cada vez mais empresas acreditem no projeto do Lusitano: «Évora merece uma equipa noutro patamar e nós somos o clube mais representativo do Alentejo.»
Évora divide-se entre «rasga roupa» e engravatados
Não obstante o historial único entre a elite do futebol nacional e dos 380 futebolistas em todos os escalões, que torna o Lusitano «das melhores escolas de formação do sul do país», garante Luís Valente, a discussão sobre quem é o clube alentejano com mais condições para chegar ao topo merece discussão na porta ao lado. E faz todo o sentido na maior cidade alentejana, onde vivem cerca de 50 mil habitantes.
Adversários na mesma divisão, os vizinhos Lusitano e Juventude (o líder venceu por 2-0 na 2.ª jornada) têm uma convivência pacífica, mas não deixam de ser rivais históricos. As diferenças começam desde logo na base de apoio de cada um dos clubes, cada um deles sensivelmente com milhar e meio de sócios.
Os eborenses optam por um ou por outro por tradição familiar, mas «diz-se que o Lusitano é a malta da gravata e o Juventude é mais do povo. Na cidade, o número de adeptos é quase igual, mas nas freguesias rurais do concelho e no resto do distrito temos mais apoio», conta Luís Valente, justificando que o seu clube ficou conhecido por ter mais adeptos da classe média-alta, ligados ao ramo empresarial da cidade, enquanto o Juventude granjeava simpatia junto de trabalhadores rurais e da construção civil.
Hoje, esta divisão esbate-se e a rivalidade não passa das discussões de café e de enchentes de ocasião a cada confronto entre vizinhos. E, claro, há também pequenas provocações que resistem ao tempo: «Chamamos o Juventude de ‘cacaruças’ e ‘rasga a roupa’, mas nem sei a explicação. Eles chamam-nos de ervanários, por causa de a camisola ser verde.»
A rivalidade, porém, não coloca adversários de costas voltadas. Juventude e Lusitano veriam até com bons olhos a possibilidade de dividirem casa: a falta de um estádio municipal com boas condições é outro dos fatores que limita o crescimento do futebol na cidade. Quando esta e as restantes limitações forem ultrapassadas, talvez Évora e o Alentejo voltem a ter o representante que merecem no topo do futebol português.