quarta-feira, 11 de abril de 2012

Lusitano Ginásio Clube: Condecoração por bons serviços em 1933



No ano passado o Lusitano Ginásio Clube cumpriu um século de vida no meio do desencanto e quase indiferença da esmagadora maioria dos adeptos da colectividade, que a pouco e pouco se foram dissociando da sua existência e de quem a dirigia. Gestões polémicas, a que se juntou o desbarato do seu património, levaram ao descalabro da mais antiga e conhecida agremiação desportiva do Alentejo. Não se pense que a situação é virgem na história do clube, que entre 1934 e 1938 esteve à beira da extinção e não festejou as Bodas de Prata, apesar de ter sido galardoado com a Comenda da Ordem Militar de Cristo.

Fundado por um grupo de estudantes e marçanos a 11/11/1911, a colectividade começou por se chamar Luzitano Futebol Clube, dado ser o pontapé na bola que esteve na génese da sua constituição. Sob o lema “fazer forte fraca gente”, o clube consolidou estruturas a partir de finais de 1913 com a desagregação do Sport Vitória Lusitano Ginásio Clube condecoração por bons serviços (1933) Física e pugilista amador, foi eleito presidente, cargo que manteve na temporada seguinte. Entretanto, no início da temporada de 1921/22, foi decidido mudar as cores do equipamento: a camisola passa a ser metade branca e metade verde, alternando as cores nas mangas, e os calções tornam-se pretos.

No princípio de 1925, com a situação política a degradar-se, o ambiente nos quartéis fervilhava em conspirações visando o derrube da República, o qual se percebia estar na ponta das baionetas. José do Pêso Benchimol viu-se compelido a abandonar a presidência do Luzitano, embora continuasse a ser o grande mentor e conselheiro de Cultura Física do clube. Sucedeu-lhe no cargo o grande proprietário, advogado e professor do Liceu Mário Ribeiro de Lemos, antigo integralista e apoiante de Sidónio Pais, nacionalista fervoroso e admirador do ditador fascista Benito Mussolini.

O grupo dos “jovens tenentes” e outros militares que, entretanto, haviam aderido ao clube, viriam a propor a realização de uma Assembleia Geral visando a alteração do nome. A reunião efectuou-se a 4 de Setembro de 1925 na esplanada do Eden Teatro e levou à aprovação, por maioria, da nova designação de Lusitano Ginásio Clube, abrindo a porta à prática de novas modalidades, nomeadamente as que reclamavam a existência de um recinto interior. 

Para o alargamento da actividade desportiva o Lusitano teve que procurar outra sede, em edifício que alugou
no Largo do Paraíso e veio a ser inaugurada a 29 de Dezembro, ainda nesse ano. Em pouco tempo ali foi construído um magnífico ginásio, excelentemente apetrechado, e que podia considerar-se um luxo, mesmo a Académico, a primeira grande formação desportiva da cidade. Muitos elementos do Vitória passaram para o Luzitano, cujo equipamento era nessa altura composto por camisola violeta escuro, gola preta com cordões pretos, punhos pretos e calções brancos.

Em 1915 o número de sócios chegou a 48, incluindo já não jogadores. A sua sede transferiu-se então para a Travessa do Bola, dado que a primeira, na rua das Fontes, era demasiado exígua para acolher o inesperado acréscimo de membros Na época de 1917/18 o clube ganha o 1º. Campeonato Regional de Évora, organizado oficialmente e lançado pela Liga Eborense de Futebol, criada no primeiro daqueles anos com o objectivo de organizar torneios e competições. A partir de 1920 a vida do Luzitano vai mudar. Os estatutos originais do clube não o punham a coberto de qualquer tentativa de apropriação exterior. Quem pagasse um valor de entrada de 5$00 era aceite como sócio sem discussão, o que não acontecia com quem se queria inscrever sem o pagamento de qualquer contrapartida, que era sujeito a avaliação e selecção da direcção do clube. Foi desta forma que o clube passou para as mãos dos jovens tenentes, ex-cadetes formados por Sidónio Pais e que continuavam fascinados pelo seu ideário antiberal e antidemocrático.

A maioria desses jovens oficiais, em serviço nos seis quartéis da cidade, decidiram procurar o clube para praticar, não só futebol como outras modalidades que estavam dispostos a implantar no seio da agremiação. Entre o final de 1922 e Janeiro de 1923 o número de sócios do Luzitano passa repentinamente de 60 para 126. Cerca de 80 por cento dos novos membros eram militares. Ultrapassados pelas circunstâncias, os fundadores perderam o controlo da colectividade. Sem surpresa, o tenente de Infantaria 11, José do Pêso de Souza Benchimol, natural de S. Tomé e Príncipe, educado na Casa Pia de Lisboa, mestre militar de Educação nível de todo o país. Toda esta operação de ocupação do Lusitano por parte das suas gentes teve o beneplácito do General Óscar Fragoso Carmona, futuro Presidente da República e Comandante da 4ª. Região Militar (sede em Évora), entre 1922 e 1925.

Só mais tarde, na revista comemorativa do 18º. Aniversário (1929), Benchimol explicou claramente os fundamentos que estiveram na base dessa mutação na orientação do Lusitano, «que não quer ser um simples agrupamento de carácter desportivo como tantos que se limitam a encher as vitrinas de taças e troféus e pretende antes assumir-se como uma colectividade que por direito se intitule de “Instituição de Educação Física” e se projecte nos princípios basilares e científicos em que assenta o revigoramento da Raça».

O futebol fora relegado para segundo plano. Mas as razoáveis participações no Campeonato de Portugal, a pressão dos fundadores e a construção do campo de futebol por banda do Juventude, em 1928, obrigaram Mário Ribeiro de Lemos a encontrar solução para o problema. Por escritura de 3 de Fevereiro de 1931 o poderoso presidente comprou por 30 contos, às proprietárias Maria Inácio Fernandes Homem e Maria Luísa Freire de Mattos Fernandes, o campo Estrela, alugado desde 1913 ao Ateneu Eborense, entretanto extinto. Na vida política, porém, Mário Lemos, presidente da representação local da Liga 28 de Maio, e os seus amigos militares e civis, iam perdendo pontos dada a aproximação daquela formação política aos sectores mais radicais de direita. Carmona e Salazar estavam alerta. O primeiro pensou então que a outorga de uma condecoração ao Clube, face aos bons serviços prestados à ditadura militar, traria ao bom caminho as suas principais figuras.

Em 5 de Outubro de 1932 é anunciada a concessão da Comenda da Ordem Militar de Cristo ao Lusitano Ginásio Clube. A entrega da distinção honorífica só se verifica, porém, a 4 de Junho de 1933, na Praça do Giraldo, em cerimónia de pompa e circunstância presidida pelo próprio Presidente da República. Rodeado de 200 atletas em parada, o General Carmona apôs a condecoração no estandarte do Clube, colocado no tabuleiro da Praça, «ouvindo-se nesse momento uma entusiástica ovação», segundo o relato do “Notícias de Évora”. Estava-se no início do Estado Novo. Ao contrário do esperado, o galardão não demove os dirigentes lusitanistas dos seus propósitos e opções políticas. Acabam por aderir ao Partido Nacional-Socialista (de índole fascista), liderado por Rolão Preto. Isto acirra os ânimos do governador civil Gomes Pereira, que os persegue com denodo. Em 1934 o governo de Salazar extingue o partido opositor de direita, dispersa pelo país os militares com ele identificados e dificulta a vida aos civis que nele se revêem.

Sem condições para prosseguir, Mário Ribeiro de Lemos abandona o comando do clube. Seguem-se no cargo ainda dois militares: capitão Clemente José Juncal e Mário Guimarães Palha, ex-chefe da Comissão de Censura em Évora (1928). Nenhum deles aquece o lugar; o primeiro queixa-se, inclusive, que nem os jogadores o querem conhecer. Em desespero de causa, o antigo homem forte do clube volta à chefia da direcção. O Lusitano começa a encarar a hipótese de cerrar portas ao dobrar as suas Bodas de Prata, efeméride que não chega a celebrar. No final desse ano de 1936 o “Notícias de Évora”, em pequeno apontamento, lastima o facto e fala «de uma direcção defunta e de perspectivas negras para o futuro». O clube será salvo do desaparecimento em 1938, quando o republicano moderado Joaquim Manuel Câmara Manuel, homem de grande cultura e intocável prestígio na cidade, assume a condução dos seu destinos.

Autor: José Frota em Évora Mosaico